segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uso dos diários de Kafka #2 - 1921

16 de outubro

"Domingo. A desventura de um eterno começar, a ausência de ilusões com respeito ao fato de que tudo não é senão um começar e nem mesmo um começar; a insânia dos outros que o ignoram e que, por exemplo, praticam o futebol para atingir "a alguma coisa; a minha própria insânia escondida dentro de si mesma, como em um ataúde, a insânia dos demais que acreditam ver aqui um verdadeirao ataúde, consequentemente um ataúde que é passível de ser transportado, aberto, destruído, trocado por qualquer outro.
(...)
Insânia insuficiente: por uma fresta o vento sibila e obsta uma total ressonância.

Se está em mim o desejo de ser um atleta peso-pluma, deve-se entender isso com toda verossimilhança como se eu quisesse ir ao céu para gozar o direito de ali estar tão angustiado como o estou aqui embaixo.

Por muito miserável que a minha constituição seja 'todas as coisas iguais aliás' (especialmente levando-se em consideração a minha débil vontade), supondo mesmo que seja o mais miserável do mundo, terei necessidade, entretanto, isso mesmo em minha crença, de tentar conquistar o melhor com os meios que me oferta; não é senão um mero sofisma afirmar que não se pode, com tais meios, alcançar mais de uma só coisa e que consequentemente essa única coisa seria a melhor e que essa melhor coisa seria a angústia."

17 de outubro

"O fato de nada ter aprendido de utilidade e - coisa que lhe está intimamente unida - que me tenha deixado enfraquecer fisicamente, esse fato pode ocultar uma intenção. Não desejaria ser desviado, desviado pela satisfação de viver que sente um homem sadio e útil. Como se a enfermidade e a angústia não desviassem tanto quanto isso, ao menor!

Teria a possibilidade de arredondar esse pensamento e terminá-lo de vários modos favoravelmente a mim, porém não me atrevo e não creio - ao menor hoje e durante o maior número de dias que venham - não creio em qualquer solução que me possa favorecer."

18 de outubro

"Tempo eterno da meninice. Outra vez um chamado da vida.

É totalmente concebível que a maravilha da vida esteja difundida em torno de qualquer um e isso sempre na plenitude, porém velada, na intimidade, muito distante.

Chamemo-la com a palavra adequada, pelo seu nome real, aí ela vem. Nisso reside a essência da magia que não cria, porém invoca."

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