domingo, 3 de agosto de 2008

Véspera de alguma coisa

"Alguma coisa começa para acabar: a aventura não admite prolongamentos artificiais; só de sua morte lhe vem o sentido. Sem possibilidade de voltar atrás, sou arrastado para essa morte, que talvez seja também a minha. Cada instante só aparece para trazer os que lhe seguem. Sinto-me ligado a cada um, do fundo do meu coração. Sei que ele é único, insubstitutível - e não faria, porém, um gesto para o impedir de voltar ao nada. Um último minuto que passo - em Berlim, em Londres - nos braços de certa mulher encontrada na antevéspera - minuto que amo com paixão, mulher que estou perto de amar - esse minuto vai acabar, bem sei. Daqui a nada partirei para outra terra. Não voltarei a encontrar esta mulher, nem esta noite, nunca mais. Debruço-me sobre cada segundo, tento esgotá-lo; nada se passa que não note, que não se fixe em mim para o todo sempre nem a ternura fugitiva destes lindos olhos, nem os ruídos da rua, nem a claridade dissimulada da manhãzinha; e entretanto o minuto corre, e não o retenho; gosto que passe".

Sartre, Jean Paul. A náusea.

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